2025-01-15 HaiPress
Afegãos no aeroporto de Cabul tentando fugir do país após a retirada das tropas americanas,em 2021 — Foto: AFP
GERADO EM: 14/01/2025 - 22:07
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
CLIQUE E LEIA AQUI O RESUMO
Milhares de afegãos que fugiram do país com ajuda dos Estados Unidos em agosto de 2021,em meio à retirada caótica das tropas americanas de Cabul que culminou no retorno do Talibã,estão detidos em instalações semelhantes a prisões — espalhadas em 36 países — enquanto aguardam seus pedidos de visto para entrar nos EUA,revelou nesta terça-feira uma investigação do jornal britânico The Guardian. A reportagem se baseou em documentos obtidos com exclusividade do Centro para os Direitos Constitucionais,do Centro de Direito Abolicionista e dos Defensores Muçulmanos,organizações que processaram os Departamentos de Defesa,Estado e Segurança Interna dos EUA em busca de maiores informações sobre os detidos.
Perfil: Como o militante talibã mais procurado dos EUA se tornou uma esperança de mudanças no AfeganistãoCensura: Talibã proíbe imprensa de publicar imagens de seres vivos no Afeganistão
Os registros revelam casos de separações familiares,instalações inadequadas,impedimento do direito de ir e vir,deterioração da saúde mental e temores de repatriação forçada nas operações em países terceiros. Segundo as organizações,os afegãos com pedidos de entrada nos EUA pendentes foram “detidos,mantidos ou forçados a permanecer no limbo” em ao menos 36 países,mas não há informações sobre o número de cidadãos nesta situação e quais das nações envolvidas os mantêm em centros de detenção.
— Outros registros que obtivemos revelam cartas e mais cartas de incansáveis apelos que os afegãos fizeram às autoridades do governo dos EUA,desde o detalhamento da falta de acesso às embaixadas dos EUA,advogados e organizações humanitárias e de direitos de imigração até as condições insustentáveis e o trauma coletivo que a comunidade continua a suportar — disse ao Guardian a advogada Sadaf Doost,do Centro de Direito Abolicionista.
Até o momento,sabe-se que,em abril de 2023,2,8 mil afegãos com pedidos de visto americano pendentes estavam no Catar,1,2 mil nos Emirados Árabes,259 em Kosovo e dezenas espalhados por outros países.
Em 2023,a Human Rights Watch (HRW) denunciou violações aos direitos humanos cometidos nesses centros,com a unidade em Kosovo recebendo o apelido de "pequena Guantânamo" por seus residentes,uma vez que as autoridades no local proibiam os afegãos de deixarem a instalação alegando que isso causaria a rejeição dos seus pedidos de asilo. Em muitos centros,a organização encontrou relatos de suicídio e greve de fome.
Entenda: Polícia da moralidade do regime talibã interrompe cooperação com missão da ONU no Afeganistão
Em Abu Dhabi,a HRW disse que 2,7 mil afegãos estavam presos arbitrariamente "há mais de 15 meses em condições miseráveis e apertadas,sem nenhuma esperança de progresso em seus casos”. No local,os cidadãos são vigiados 24 horas por dia,com restrições de saída,acesso negado a advogados,visitantes e jornalistas e atendimento médico precário.
Estima-se que mais de 1,6 milhão de pessoas deixaram o Afeganistão após o anúncio de retirada caótico dos Estados Unidos do país,depois de mais de duas décadas de guerra. Nos últimos dias,os EUA mobilizaram uma evacuação às pressas de cerca de 120 mil pessoas de diferentes nacionalidades. Desde então,mais de 190 mil afegãos migraram para os Estados Unidos,segundo um porta-voz do Departamento de Estado ouvido pelo Guardian sob anonimato. Segundo ele,os EUA concederam 33 mil vistos especiais para afegãos migrarem para o país.
No entanto,ainda há um enorme contingente de afegãos no exterior aguardando um parecer das autoridades americanas para entrar no país. Segundo um levantamento do Conselho Americano de Imigração,de janeiro de 2020 a abril de 2022,apenas 114 de 44 mil pedidos de asilo humanitário com liberdade condicional (quanto o requerente pode aguardar o processo dentro do território americano) foram aprovados,menos de 0,3% do total. De acordo com a agência Reuters,há ainda 20 mil pedidos de vistos especiais de imigrante de afegãos que trabalharam para o governo dos EUA — 40% foram rejeitados.
Mirando as mulheres: Salões de beleza fecham as portas no Afeganistão após decreto do Talibã
De acordo com os documentos,algumas instalações americanas em países terceiros são administradas por Washington e outras funcionam em antigas bases militares dos EUA. No passado,autoridades americanas negaram sua presença nos locais,mas os registros obtidos pelo Guardian indicam o envolvimento do país em alguns deles,incluindo acordos travados com países como Catar,Omã,Kuwait,Itália e Alemanha para o que foi chamado na época de uma "realocação temporária" de afegãos.
Nos acordos,os EUA se comprometeram a contribuir para a “segurança e o conforto” dos afegãos,incluindo o fornecimento de refeições,atendimento médico e necessidades educacionais,enquanto os países anfitriões ajudariam a manter a “ordem” nos locais,inclusive com a realização de patrulhas “conjuntas”. Inicialmente,eles deveriam ser de curto prazo,mas os documentos acessados pelo jornal mostram que alguns deles,como o acordo com o Catar,foram formalmente prorrogados.
De uso de máscara por mulheres a imagens de pessoas no celular: Afeganistão promulga nova lei com série de restrições
Segundo Laila Ayub,advogada de imigração e codiretora de um grupo de defesa que ajuda afegãos a se estabelecerem nos EUA,disse ao Guardian que os EUA prometeram acesso privilegiado a vistos especiais para milhares de afegãos que concordaram em trabalhar para o governo americano. Agora,muitos tentam a sorte em rotas migratórias perigosas rumo ao país.
— Décadas de política externa dos EUA deslocaram diretamente muitos afegãos — disse a advogada. — As autoridades [americanas] fizeram promessas específicas de que priorizariam os afegãos e que lhes dariam um caminho,e nós simplesmente não vimos essa promessa ser cumprida.
Esta semana,mais de 700 veteranos dos EUA e funcionários atuais e antigos escreveu uma carta ao presidente eleito,Donald Trump,instando seu novo governo,que assume em 20 de janeiro,a preservar as opções especiais de visto e o asilo para afegãos em risco.