2024-09-07 HaiPress
Fábrica de castanhas da Amigos do Bem em Catimbau,Pernambuco — Foto: Divulgação
GERADO EM: 07/09/2024 - 04:00
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No sertão de Pernambuco e do Ceará,duas fábricas de beneficiamento de castanha de caju da Amigos do Bem estão a todo vapor,trabalhando em dois turnos. Com 130 mil pés de caju e uma produção de 40 mil toneladas de amêndoas ao mês,as fábricas abastecem as marcas próprias de Pão de Açúcar e Carrefour,além de outras marcas como a Mãe Terra,da Unilever,alcançando 1,5 mil pontos de venda em todo o país.
Fundada há 31 anos,a ONG paulista comanda hoje um dos maiores negócios sociais e de impacto do país. Segundo estudo realizado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS),o SROI,ou Retorno sobre Investimento Social,da Amigos do Bem é de R$ 6,45 para cada R$ 1 investido no programa — um dos mais altos do Brasil. (O IDIS não revela o ranking dos SROI,dada a natureza distinta e pouco comparável de cada projeto.)
Os negócios sociais da Amigos do Bem somam ainda uma fábrica de pimentas e doces,oficinas com 300 máquinas de costura — algumas ociosas,aguardando novos contratos —,licenciamento de marca e um e-commerce próprio. Um programa de microcrédito financia ainda novos negócios no Ceará.
Somados,os negócios sociais geram uma receita de R$ 30 milhões,garantindo renda para 1,5 mil pessoas em uma região onde as oportunidades de trabalho são escassas,e mantendo 2,5 mil crianças na escola em período integral.
O rendimento dos negócios sociais,contudo,representam apenas 30% do orçamento da ONG,que conta com doações,parcerias e 10,7 mil voluntários para seguir distribuindo mensalmente 30 mil cestas básicas,roupas e produtos de higiene pessoal,beneficiando 150 mil pessoas em 300 povoados no interior de Pernambuco,Ceará e Alagoas.
Tudo na Amigos do Bem se dá em grandes proporções. — Temos 10 mil crianças e jovens nos nossos Centros de Transformação. Quando vamos doar sapatos,são dez mil pares — diz a empresária Alcione Albanesi,que fundou a Amigos do Bem há 31 anos.
Investir em fábrica e plantação de caju e oficinas de costura estava longe dos planos de Alcione quando,nos idos de 1993,ela mobilizou amigos para levar cestas básicas para o sertão nordestino — onde ainda hoje 30 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza extrema.
Foram dez anos levando não apenas alimentos mas também brinquedos e atendimento médico e odontológico com voluntários,até que Alcione e sua equipe resolveram partir para uma atuação mais estruturante: furando poços para garantir água o ano todo,e investindo em moradia digna.
Mas foi na última década que a Amigos do Bem encontrou a sua vocação na educação e nos negócios sociais,mas sem abandonar as ações emergenciais voltadas para as necessidades básicas.
— Quem tem fome não é livre,quem não sabe ler e escrever também não é livre. Tem que ter o que comer para estudar. Tem que ter educação para trabalhar — diz Alcione,que há 20 anos vendeu a fábrica de lâmpadas FLC,fundada por ela e que chegou a ter 40% de participação de mercado,para se dedicar à filantropia. Além das atividades de arrecadação em São Paulo,Alcione passa cerca de 10 dias por mês no sertão.
A veia empreendedora que hoje Alcione leva para a filantropia surgiu cedo. Quando criança,ela fazia rifa para vender os brinquedos que ganhava. A mãe até tentou colocá-la em cursos de etiqueta e boas maneiras. Do alto de seus 1,75 m,chegou a ensaiar os primeiros passos como modelo,mas se interessou mesmo em produzir moda. Montou uma confecção aos 17 anos e chegou a ter 80 funcionários,vendendo para as redes Marisa e C&A. Aos 25 anos,vendeu o negócio para abrir uma loja de material elétrico no centro de São Paulo. Pouco depois,fundou a fábrica de lâmpadas.
Depois de vender a FLC,Alcione investiu em terras no sertão: fundou quatro pequenas Vilas do Bem,nos municípios de Catimbau e Inajá,em Pernambuco,e em Torrões (AL) e Mauriti (CE). Hoje elas abrigam 550 casas,123 cisternas e 63 poços ativos e contam com redes de fibra óptica — tudo mobilizado por meio de doações.
As duas vilas com as fábricas de castanha já se sustentam economicamente,explica Andre de Luca,diretor executivo da Amigos do Bem. A meta é desenvolver novas atividades econômicas nas demais,para garantir renda e assegurar a sustentabilidade das ações de apoio às escolas municipais --- com programas de capacitação,professores extras e refeições --- e do Centro de Transformação,onde crianças e jovens contam com atividades como aulas de música,teatro,capoeira,inglês e computação.
Diariamente,50 ônibus --- doados por empresas parceiras --- percorrem dezenas de quilômetros para buscar as crianças nos povoados mais afastados. O resultado de toda essa iniciativa apareceu no último Censo Escolar: a escola de Inajá tirou nota 9,2 no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) — a segunda melhor de Pernambuco — e a de Catimbau,nota 8,3. A média do país é 6. As escolas apadrinhadas há menos tempo tiraram 7,5 (Ceará) e 6,5 (Alagoas). — Para este ano,vamos centrar esforços na capacitação de professores dessas escolas — diz Alcione.
Para seguir gerando renda no sertão,Alcione está empenhada em uma nova frente: fechar contratos para a confecção de uniformes para empresas e colocar todas as máquinas de costura para trabalhar.
*A colunista viajou a convite da Amigos do Bem,com diárias de hotel e passagem aérea doados pelas empresas.
Alcione Albanesi,com crianças das escolas apoiadas pela Amigos do Bem — Foto: Divulgação