2024-09-05 HaiPress
Indígenas de São Paulo de Olivença,onde vive o povo Kambemba,no Amazonas,obrigados a lidar com dificuldades de transporte,falta de energia e escassez de água para consumo — Foto: Eronilde Kambeba/Acervo pessoal
GERADO EM: 05/09/2024 - 04:31
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
LEIA AQUI
As cerca de 300 famílias da Reserva Extrativista Catuá Ipixuna,localizada entre as cidades de Coari e Tefé,vivem o drama diário da falta de água e do isolamento provocados pela seca severa na região. No povoado onde mora a agente comunitária Andreane Senna,de 37 anos,a única fonte de abastecimento é um poço artesiano,mas que precisa de eletricidade para funcionar.
Seca: quatro trechos de rios do Pantanal e da Amazônia atingem seus menores níveis na história; veja quaisEntenda: Um ano após seca histórica na Amazônia,rios não retomam o nível esperado e sinal de alerta para nova estiagem grave se acendeMais: Entenda o fenômeno que aumenta a seca na Amazônia e leva a chuva ao deserto do Saara
— No período de seca,a gente passa muito tempo sem luz devido a problemas nos ramais de distribuição. Quando um fio se parte,por exemplo,demora muito para se chegar aonde está o problema,porque,com o nível baixo dos rios,fica difícil navegar — conta ela. — Tem famílias aqui sem água até mesmo para cozinhar.
Pelo segundo ano consecutivo,uma estiagem severa castiga a região. Semana passada,o governador do Amazonas,Wilson Lima,decretou situação de emergência em 62 municípios devido à estiagem.
Levando uma vida simples,longe das grandes cidades,os povoados ribeirinhos da Amazônia não emitem gases nocivos para a atmosfera e não contribuem para as mudanças climáticas,mas,tragicamente,estão entre os que mais sentem as suas graves consequências.
A seca,que este ano começou semanas antes do normal,no início de junho,e a “onda” de fumaça gerada por queimadas são uma dura combinação de resultados da crise ambiental que a população local,agora,precisa encarar como algo cotidiano.
Segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB),os rios da Bacia do Amazonas podem atingir cotas mínimas históricas,repetindo o cenário do ano passado,quando o Rio Negro chegou à marca de 13,59 metros,considerada a menor já registrada.
Moradores andam quilômetros debaixo do sol forte para chegar à beira do rio. Quem precisa se locomover nas rabetas,canoas motorizadas comuns na região,encontra sérios obstáculos por conta do nível das águas. Muita gente fica realmente isolada,sem acessar serviços básicos de saúde e educação.
De acordo com o Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden),a seca que o Amazonas vive hoje é,de certa forma,a mesma de 2023. Mapas indicam que,em muitos municípios,a estiagem que começou em meados do ano passado praticamente não deu trégua.
Os povos indígenas sempre souberam identificar as épocas de vazante e enchente. Agora,são pegos de surpresa. Presidente da Associação dos Witoto do Alto Solimões,Anderson Barroso Ortega representa as 190 famílias da etnia,que vivem entre as cidades de Amaturá e Santo Antônio do Içá. Segundo ele,algumas aldeias estão totalmente isoladas. Muita gente fica sem água potável. Doentes não têm atendimento médico.
— Cerca de 80% das comunidades têm poço artesiano,mas algumas ainda sofrem com a escassez de água potável — explicou o líder comunitário. — Além disso,vários poços não têm mais água,porque o lençol freático também ficou seco.
Ortega explica que a preparação para as vazantes começa um ano antes,com armazenamento de farinha,água e peixe. Mas a seca do ano passado prejudicou essa medida de prevenção. Além disso,ele diz,a cada ano,parece que os dias ficam mais quentes. A seca,mais aguda,forma ilhas no leito dos rios. O indígena diz que os cursos d’água estão mais amarelos,como ferrugem.
— A vida não tem sido fácil. Com as mudanças climáticas e a seca,as plantações não se desenvolvem. Não tem água para regar. Os idosos e grávidas sofrem com a poluição do ar,que provoca bronquite e outras doenças — desabafa a cacica Eronilde Kambeba,em São Paulo de Olivença,no Alto Solimões,onde vivem 48 mil habitantes,a maioria indígenas dos povos Kambeba,Ticuna,Kokama e Kaixana. — A gente vive da terra,mas ela está seca. Não tem o que plantar e germinar.
Os incêndios florestais ocasionam a fumaça que encobre a maior parte do estado desde o início de agosto. Em bairros da capital,Manaus,o Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental (Selva) chegou a registrar níveis de poluição sete vezes acima do limite das condições saudáveis.
Especialista em qualidade do ar e fumaça do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),Karla Longo afirma que uma queimada na Amazônia emite muito mais gases tóxicos que incêndios em pastagens ou áreas agrícolas,como aconteceu em São Paulo recentemente.
— É como uma fogueira com toras de madeira. É claro que vai emitir muito mais fumaça do que as chamas em pastagens com vegetação rasteira — explica ela.
Enquanto isso,apenas um dos 41 vereadores de Manaus deu o ar de sua graça na audiência para discutir o Plano de Ação Climática da capital,na Câmara Municipal. O plano,aliás,não sairá do papel este ano.
1 de 6
Nível do Rio Madeira,alcançou a marca de 1,98 metro nesta quinta-feira (22) — Foto: Evaristo/AFP
2 de 6
Desde 1967,quando os níveis do Madeira começaram a ser monitorados pelo Serviço Geológico do Brasil,o rio nunca tinha atingido uma marca tão baixa no mês de agosto — Foto: Evaristo Sá/AFP
Pular
X de 6
Publicidade 6 fotos
3 de 6
Um dos principais rios do Brasil,Madeira não recebe montantes significativos de chuva há dois meses — Foto: Evaristo Sá/AFP
4 de 6
A seca é o principal motivo dos baixos níveis do rio que corta Porto Velho,e também banha a Bolívia e o Peru — Foto: Evaristo Sá/AFP
Pular
X de 6
Publicidade
5 de 6
Bancos de areia dificultam a navegação no rio e prejudicam a circulação de mercadorias por meio fluvial — Foto: Evaristo Sá/AFP
6 de 6
Em Porto Velho,capital do estado,o tráfego noturno no Rio Madeira foi proibido pela prefeitura — Foto: Evaristo Sá/AFP
Pular
X de 6
Publicidade Com níveis dois metros abaixo do usual para esta época do ano,um dos principais rios do Brasil não recebe níveis significativos de chuva há dois meses