Pepe Mujica e as colas secas

2024-08-28 HaiPress

Ex-presidente do Uruguai,Pepe Mujica,durante evento da campanha de Lula em São Paulo — Foto: Edilson Dantas

RESUMO

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GERADO EM: 28/08/2024 - 04:31

Pepe Mujica critica consumismo e excessos nos EUA: reflexões sobre sociedade atual.

Pepe Mujica critica consumismo e cultura de excessos em entrevista ao New York Times,apontando a necessidade de valorizar prazeres simples. Reflexões sobre a sociedade atual são ilustradas por experiências de compra nos EUA,destacando o impacto do consumo desenfreado. A história pessoal do autor ressalta a nostalgia por tempos mais simples,questionando a lógica do exagero nas compras.

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Pepe Mujica,ex-presidente do Uruguai,deu uma entrevista para o New York Times em que se mostra desiludido com a Humanidade. O consumismo,ele diz,nos rouba da vida. Vivemos para trabalhar e pagar por falsas necessidades. Não precisamos de mais,e sim de tempo livre para os prazeres simples. Arte,esportes,literatura,contato humano e com a natureza. É difícil quebrar o ciclo porque a ideologia de mercado se infiltrou na cultura. Comprar se tornou um hábito agradável na repetição. Pepe dá como exemplo o próprio país. O Uruguai tem 3,5 milhões de pessoas e importa 27 milhões de pares de sapato.

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Não é possível que tantos sapatos caibam no Uruguai. E que esse homem,quebrado por um câncer e vivendo tão longe,diga com poucas palavras o que eu sinto constantemente.

Viver nos Estados Unidos causa em mim uma espécie de fastio. Compra-se muito por muito pouco,a conta só fecha porque uns trabalhadores em Bangladesh vivem de ar. Agorinha mesmo,saí com meus filhos para comprar material escolar. Na lista estava um tubo de cola,mas esse item fundamental da infância,o tubo de cola solitário e suficiente,encontra-se extinto.

Aqui os tubos se arranjam em bando. É pacotinho com seis. Pacotinho com oito. Pacotinho com 12,por um preço tentador. O que um consumidor faz com 12 tubos de cola? Malabares? Forte Apache? Rende-se aos próprios demônios e se torna colador compulsivo? Ou dono de jardim de infância? Ou terapeuta ocupacional? Eu não tenho 12 mãos. Ou o ócio para colagens. Meus filhos não serão coladores profissionais. Mas o bom senso e a demanda real titubeiam diante da lógica obtusa do consumo: o importante é pagar menos e comprar mais,mesmo que seja para daqui a uns anos se livrar da cola seca. As papelarias americanas vendem cola como se a gente precisasse selar um envelope toda vez que manda um e-mail.

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Saudades da Casa Mattos. Era uma loja comprida na Tijuca com duas entradas,uma em cada ponta do quarteirão. De um lado ficavam os livros didáticos. Do outro a parte que era boa,com pilhas de cadernos,canetinhas e lápis de cor. Eu digo pilhas,mas deviam ser umas cinco ou seis,era essa a dimensão da nossa fartura. Minha mãe dava a lista de material escolar para a moça. Por trás do balcão ela se movia,colocando sobre o vidro o que usaríamos no ano. E para casa nós íamos,eu e minha irmã,ricas e dona de muito. Eu abria o meu pacote para fazer o óbvio,que era cheirar. Borracha verde. As folhas pautadas do caderno. A tinta nas páginas recém impressas dos livros didáticos. Pilot,lápis cera e cola. Eu não precisaria jamais de algo além.

Ouvindo o Mujica falar de como estamos ferrados,me deu vontade de abrir os armários e jogar tudo pela janela. Mas é inevitável e bem mesmo como ele diz. Comprar a mais está na água,no ar e na cultura. Disso a gente não vai se livrar completamente. Resta-nos passar a responsabilidade aos netos. Espero que cultivem a sabedoria do suficiente,para quando encontrarem na minha casa uns tubinhos de cola seca eu possa dizer: vejam vocês como éramos estranhos,comprávamos cola como se dela dependêssemos para sobreviver. Quanta loucura,e que bom que passou.

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