2024-08-27 HaiPress
O empresário Pablo Marçal (PRTB),candidato a prefeito de São Paulo. — Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo
GERADO EM: 27/08/2024 - 03:31
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A decisão que suspendeu os perfis de Pablo Marçal (PRTB) nas redes sociais também vetou as competições nas quais os fãs do ex-coach recebem dinheiro para divulgar trechos de vídeos do candidato na internet. Nesta segunda-feira,os administradores do canal Cortes do Marçal,no aplicativo de conversas Discord,que soma 150 mil membros,mudaram a estratégia e organizaram um novo "campeonato de cortes": a ideia é espalhar vídeos de Renato Cariani,influenciador fitness próximo a Marçal,que apoia o candidato nas postagens — e é réu por tráfico de drogas.
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Ao mesmo tempo,também como uma forma de "driblar" a decisão judicial,Marçal criou novos "perfis reserva" que já ultrapassam os milhões de seguidores. Apenas no novo perfil do Instagram,o empresário se aproxima de 3 milhões de seguidores.
Especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo GLOBO explicam que a essência da decisão judicial contra Marçal é evitar que as redes de um candidato sejam infladas artificialmente por meio de pagamentos,criando um desequilíbrio na campanha. A decisão,porém,prevê o empresário poderia criar outros perfis,e que devem ser suspensos aqueles que buscam “a monetização dos cortes por meio de terceiros”.
Luiz Magno Bastos Junior,sócio do Núcleo de Direito Eleitoral e Agentes Públicos da Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados,explica que é uma decisão inovadora,por se tratar de um tema novo. Apesar do impulsionamento nas redes ter gerado discussão em eleições anteriores,a prática de pagar pessoas para fazer cortes de vídeos com o intuito de impulsionar um candidato não havia sido analisado anteriormente pela Justiça Eleitoral.
— A decisão não proíbe que ele crie outros perfis,não proíbe que ele continue falando. Proíbe que mantenha esses perfis que foram impulsionados por esses cortes — explica — Quando você aumenta o patrimônio digital com base em monetizações indiretas,não da plataforma,você está ganhando adeptos sem que esse ganho seja orgânico,sem que os impulsionamentos sigam os critérios exigidos pela Justiça Eleitoral,que sejam rastreáveis,que mostrem como,quando e quem está financiando isso.
Com relação ao anúncio de uma competição de cortes dos vídeos de Cariani,aliado de Marçal e que inclusive tem curso com o candidato,os especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que não há burla inicialmente,mas é preciso ver quais serão os conteúdos dos vídeos impulsionados.
— A proibição foi de continuar fazendo esses concursos de cortes,ele não está proibido de se comunicar no Discord,há de se monitorar o que ele vai fazer lá. Se ele continuar fazendo algo ilegal,vai caber ao outro lado da ação apresentar isso. Caberá ao partido autor argumentar se isso é uma burla ou não — aponta Fernando Neisser,especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
No sábado,após ser notificado da decisão de suspensão de contas,Marçal já começou a criar contas reservas sob o discurso de que estava sendo censurado.
Na noite deste domingo,um dos administradores do canal oficial de cortes do ex-coach anunciou a nova “missão” do grupo: fazer cortes de Renato Cariani,que tem mais de 7 milhões de inscritos no YouTube e mais de 8 milhões de seguidores no Instagram. Também foi lançado um curso,cuja matrícula custa R$ 197,chamado “Generais dos Cortes”,que promete ensinar a fazer cortes que renderão entre R$ 500 a R$ 10 mil por mês. A competição terá início na próxima segunda (2),e ainda não foram divulgadas as regras nem é possível saber o teor dos vídeos que serão compartilhados.
Jefferson Zantut,que administra o canal Cortes do Marçal,diz no vídeo que esse novo desafio não tem nada a ver com o candidato e que a competição “vai ser diferente de todas as outras que a gente promoveu,essa competição a gente vai estar junto com você assegurando que vocês vão se tornar um exército de generais de cortes” e promete até R$ 50 mil em prêmios.
— A gente vai ter um grupo de WhatsApp,claro que não é do Pablo,o Pablo está em campanha eleitoral. Essa competição não tem nada a ver com o Pablo Marçal — destacou.
No chat do canal,integrantes reclamaram da decisão judicial e se mostraram confusos sobre o que fazer com os cortes,com dúvidas se ainda haverá ou não pagamento pelos cortes,enquanto alguns explicam que apesar de não haver mais pagamentos — conforme determina a decisão judicial — os cortes nas redes devem seguir como forma de apoio ao candidato.
Para advogados ouvidos pelo GLOBO,aparentemente não há ilegalidade na promoção de um concurso relacionado a outra pessoa que não Marçal,pois a decisão é específica no sentido de “impedir que haja remuneração a pessoas que divulgam conteúdo do candidato até o final das eleições”.
— O abuso de poder econômico que possivelmente possa estar configurado às ações,até o momento da decisão se diziam respeito a campanha do Marçal,monetizando seguidores a seu favor,e,foi justamente nesse sentido a decisão do juiz. Ao que parece,o perfil do candidato nessa rede não está fazendo referência a ele,mas sim a terceira pessoa. Assim,em tese,não haveria um descumprimento. No entanto,nada impede de nova denúncia pelos partidos indicando a nova estratégia de monetizar em favor de terceiros — explica Virgínia Machado,professora de Direito Público.
No mesmo sentido,Alexandre Rollo,especialista em Direito Eleitoral,afirma que a ação está em curso e a decisão deste fim de semana foi apenas uma liminar a fim de coibir um desequilíbrio no pleito,mas eventuais irregularidades ainda poderão ser apuradas no curso do processo.
— É uma ação que ainda está em curso,vai demorar meses,deve ter produção de prova pericial. Tudo aquilo que eventualmente ele fizer,que possa ser usado contra ele,será. Se ao fim da ação for constatado abuso de poder econômico,haverá a cassação do registro,e nesse caso mesmo se ganhar a eleição não leva,além de ficar inelegível por oito anos — diz.
Caso o conteúdo impulsionado de Cariani tenha intuito de beneficiar Marçal,entretanto,os advogados entendem que a situação muda de cara.
— É possível que seja burla,mas a grande questão é sobre o conteúdo desses vídeos que os apoiadores estarão submetendo para esse campeonato de cortes. Se o apoiador falar que é um absurdo da decisão da Justiça Eleitoral,que há uma censura,uma ditadura,questões que estão atreladas à decisão em si ou a promoção da candidatura,fica configurada uma burla à regra. E se houver burla,é possível que haja novos desdobramentos,novos pedidos de investigação,outras representações — diz Bastos Junior.